terça-feira, 6 de outubro de 2009

POLITICA E LINGUAGEM

A função política da linguagem

Heródoto lia sua história aos povos da Grécia reunidos ao ar livre e tudo ressoava com aplausos. Hoje o acadêmico que, num dia de assembléia pública, lê uma memória, é ouvido com dificuldade no fundo da sala. (ROUSSEAU: 1978, p. 199)

As palavras se transformam conforme mudam as necessidades humanas. As sociedades evoluem, surgem novas necessidades e criam-se novas palavras para expressá-las. Muitas vezes, perde-seu sentido original e cai-se no esquecimento.
Nada mais perigoso do ponto de vista político do que o uso das palavras. Já os sofistas na Grécia Antiga perceberam a importância da linguagem, especializando-se na retórica. “Nos tempos antigos”, observou Rousseau, “quando a persuasão constituía uma força pública, impunha-se a eloqüência. De que serviria hoje, quando a força pública substitui a persuasão?”. (Id., p. 198) A propósito, sofista (do grego, sophistés) originalmente significava sábio; posteriormente adquiriu o sentido de impostor (derivado do latim sophista).

A corrupção da linguagem é essencial para a manutenção da dominação política. Um ótimo exemplo disto pode ser observado no clássico A Revolução dos Bichos. Em outro livro, 1984, a linguagem, como forma de opressão política, ocupa um lugar central.As palavras servem como engodo e falsificação da verdade. O indefensável ganha a áurea de sagrado e indiscutível. A mais simples dúvida constitui uma crimidéia, impossível de ocultar.
Assim, o Ministério da Verdade tinha como função distorcer e forjar novas verdades, ou seja manipular. No Ministério do Amor, mantinha a lei e a ordem impondo a dor e a tortura. (“O grande Irmão zela por ti!”). No Ministério da Paz, tramava-se a guerra. E, no Ministério da Fartura, tratava-se de fabricar falsas estatísticas sobre os dados econômicos, ou seja, encobrir a escassez.
“Quem controla o passado”, dizia o lema do Partido, “controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”. (1998: 36)
Aliás, eis um excelente exemplo de como as palavras caem no esquecimento e/ou adquirem novo sentido: George Orwell não poderia imaginar que o Big Brother se tornaria personagem de TV, com grande índice de audiência. A crítica à vigilância permanente, ao controle do indivíduo pelo Estado, à aniquilação da liberdade, perde-se no glamour dos artistas televisivos, eles e seus espectadores presos às exigências do Ibope. O conceito orwelliano do Big Brother é propositadamente removido da história.

Além dos objetivos políticos dos que manipulam as palavras e a história, temos a tendência natural de esquecer. Como Jean Lauand escreve na apresentação:
“Nossas grandes iluminações, nossas grandes intuições, brilham por um momento na consciência, mas logo – na rotina do dia-a-dia – começam a cair no esquecimento (essa expressão é, aliás, pleonástica: esquecer, etimologicamente, é começar a cair). Não é que se aniquilem, confundem-se na massa informe dos cuidados quotidianos e saem do âmbito da consciência: precisamente o que se indica com o vocábulo esquecer.” (PERISSÉ: 2002, p. 11)


Como a melhor defesa é o ataque, quando mais dominarmos as palavras, mais chance teremos de sermos inteligíveis. Afinal, escrevemos para os outros lerem. Que graça tem posar de sabichão e postar-se no olimpo, falando com o próprio umbigo? Como ensina Perissé,
“A palavra umbigo nasceu do latim umbilicu, procedente, por sua vez de outro termo latino, umbo, pequena proeminência no centro dos escudos de guerra convexos.

Há quem se ache o umbigo do mundo. O narcisismo parece ser uma doença congênita a muitos que vivem do ofício de pensar e escrever.
Escrever bem é um desafio constante e é o primeiro passo para aprendermos a exercitar o pensamento. O domínio da linguagem nos leva a aperfeiçoar o pensar e a nos tornarmos mais críticos. Escrever para a liberdade é facilitar esse processo, é contribuir para que para que deixemos de ser presas fáceis dos discursos ideológicos doutrinadores. É pensar com a própria cabeça!
Glacilmara Costa

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